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Notícia

Golpistas invadem aplicativo do FGTS e aderem a saque-aniversário sem que trabalhador saiba. Veja como se prevenir

A modalidade, ainda pouco conhecida por muitos brasileiros, virou o alvo de golpistas

Depois dos relatos de trabalhadores que tiveram as contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) invadidas na época do saque-extraordinário, agora é a vez do saque-aniversário: a modalidade, ainda pouco conhecida por muitos brasileiros, virou o alvo de golpistas que, após fraudarem os acessos, desviam os valores e fazem até empréstimos no nome das vítimas.

Implementada em 2019, esse tipo de saque permite a retirada anual de uma parte do saldo do trabalhador no Fundo. Uma vez ativado, o saque-aniversário permite ainda que o trabalhador faça um empréstimo – seja na Caixa ou nas mais de 70 instituições financeiras habilitadas – para antecipar as parcelas dos anos seguintes. O crédito usa os valores do FGTS como garantia, o que, nas mãos dos golpistas, pode virar um prejuízo grande para as vítimas.

Foi o que aconteceu com o tecnólogo de radiologia Leandro Teixeira, de 41 anos. Em meados de junho ele recebeu uma notificação do Banco Pan de que um boleto de R$ 2.150 tinha sido pago em sua conta. Sem saber do que se tratava, ele acessou o aplicativo do banco e descobriu que um empréstimo via saque-aniversário do FGTS, no valor de R$ 2.480,96, tinha sido depositado na conta. Além do pagamento, uma recarga de R$ 10 para o telefone que foi cadastrado pelos golpistas no seu cadastro no banco.

Leandro procurou o banco, que confirmou o indício de fraude, mas disse que a operação foi feita "em aplicativos oficiais com senhas pessoais" e, por isso, o ressarcimento não seria feito. Já a Caixa confirmou a ele que a modalidade de saque-aniversário foi ativada, mas, após apuração com o banco Pan, não encontrou irregularidades. e por isso não se responsabilizaria pelo crédito contratado indevidamente e também não converteu o saque da conta dele de volta para rescisão.

— O empréstimo foi feito com a antecipação de sete parcelas do saque-aniversário, a serem debitadas do FGTS todo mês de abril até 2029. Com os juros, o valor chega a R$ 4.215,29. O problema é que ainda não consegui restituição do banco e nem consigo cancelar o empréstimo e desbloquear os valores do fundo — conta o trabalhador, que também não conseguiu alterar a modalidade de saque do FGTS.

Susto na demissão

O trabalhador não é obrigado a aderir ao saque-aniversário. Quem opta pela modalidade, no entanto, só consegue retornar para o saque-rescisão dois anos após a adesão. Ou seja, se for demitido, o trabalhador que adere a retirada anual perde o direito de sacar o saldo total de sua conta do FGTS, ainda que seja dispensado sem justa causa.

Ex-funcionária de uma empresa de seguros, Adriana Kury, de 54 anos, só descobriu a fraude ao ser demitida, em meados de julho. Quando tentou acessar o aplicativo do FGTS para receber o saque-rescisão, ela não conseguiu concluir o cadastro. O sistema informava que seu CPF já estava cadastrado na base de dados, mas o e-mail e telefone não eram os seus.

Foi quando começou a peregrinação. Adriana procurou uma agência da Caixa, onde seus dados foram corrigidos, mas ela não foi informada que sobre a possibilidade de se tratar de um golpe.

– Ninguém me alertou que podia ser fraude. Até então eu não sabia que estava com o saque-aniversario ativado. Nem sabia que isso existia – conta.

Após ativarem o saque-aniversário , os criminosos tentaram tirar os R$ 7 mil liberados pela Caixa da conta de Adriana. Por alguma razão ainda não identificada, a transação não aconteceu e o valor retornou a conta dela. Apesar disso, ela ficou impossibilitada de fazer o saque-rescisão. Só após 40 dias de análises do banco e cinco idas a duas agências diferentes em busca de atendimento ela conseguiu ter acesso aos valores:

– Quando ficou provado que não tinha sido eu a trocar o tipo de retirada, a Caixa mudou minha conta para o saque-rescisão e aí liberaram que eu sacasse o meu FGTS.

E a fraude não é de hoje. O engenheiro civil Diego Altieri, de 42 anos, foi vítima da tentativa de golpe em 2020, mas escapou por pouco de perder parte dos valores guardados em sua conta do FGTS. Na época, ele recebeu uma ligação do Banco do Brasil para confirmar uma transação de R$ 999,99, que o banco estranhou por conta do valor quebrado. Acontece que ele não era mais correntista do banco havia mais de dez anos.

O alerta de que os criminosos criaram um cadastro com o CPF de Diego no aplicativo do FGTS veio do próprio BB. Após o acesso indevido ao Fundo, os golpistas ativaram o saque-aniversário e transferiram os cerca de R$ 3 mil disponibilizados para uma conta no Banco do Brasil aberta também no nome dele. Após Diego contestar o caso, a Caixa restituiu os valores:

– O que me deixou mais impactado foi o fato de conseguirem fazer isso tudo, até abrir uma conta em meu nome e fazerem movimentações financeiras, sem uma foto de um documento meu ou minha assinatura. Nossos dados estão aí pelo mundo. Estamos completamento expostos.

Protocolo para contestar

A Caixa não informou quantos casos de acessos indevidos ao FGTS envolvendo o saque-aniversário já foram detectados, mas o golpe parece estar se expandindo. Vítimas da fraude contam que até um protocolo para lidar com contestações dos trabalhadores foi implementado pelo banco, que disponibiliza um formulário específico para casos do tipo.

O documento, segundo a Caixa, contém as informações necessárias para que a suspeita de fraude seja analisada e enviada à autoridade policial, quando for o caso.

O banco também informou que todas as informações de suspeitas de fraudes são consideradas sigilosas e repassadas exclusivamente à Polícia Federal para análise e investigação. Procurada, a PF não se manifestou.

"O banco emprega mecanismos múltiplos de proteção e monitoramento para aprimorar a segurança de seus sistemas e mitigar a ação de fraudadores, tais como: validação de dados, autenticação por senha, validação de documentos e segundo fator de autenticação", afirmou a Caixa, por meio de nota.

Para Daniel Dias, professor da Faculdade de Direito da FGV, faltam detalhes a serem informados pela Caixa que expliquem de que maneira os criminosos estão tendo acesso às contas do FGTS dos trabalhadores. Mas, pelas narrativas, "são questões claras de falta de segurança dos dados".

– As vítimas são absolutamente surpreendidas pelo golpe. Parece uma atuação dos golpistas diretamente com o banco, e não alguma fragilidade envolvendo o correntista, como por exemplo em casos em que as vítimas clicam em links que dão acesso aos golpistas a dados privados, como senhas e dados cadastrais – diz.

'Falha na proteção de dados', diz especialista

Dias defende que, nesse caso, não há espaço para que a Caixa e outras instituições financeiras – no caso do empréstimo com antecipação do saque-aniversário – se isentem da responsabilidade:

– Há uma falha na proteção de dados. Entendo que nesse caso os clientes estão resguardados e tem direito a ressarcimento em caso de prejuízo, e até ações indenizatórias por dano moral e até patrimonial. Não tem como os bancos se isentarem numa situação dessas.

Para a advogada de Direito do Consumidor Carolina Silva Jardim, o consumidor lesado deve recorrer à Justiça caso não consiga resolver o problema administrativamente com a Caixa e outros bancos envolvidos:

– De acordo com a Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), as instituições financeiras devem responder independentemente de culpa, por fraudes praticadas por terceiros no âmbito das operações bancárias.

A estatal informou que "emprega mecanismos múltiplos de proteção e monitoramento para aprimorar a segurança de seus sistemas e mitigar a ação de fraudadores, tais como: validação de dados, autenticação por senha, validação de documentos e segundo fator de autenticação".

Sem detalhar que medidas foram tomadas, o Banco Pan informou que prestou todos os esclarecimentos ao cliente e que as validações de senha são pessoais e intransferíveis para alteração de cadastro.

Veja orientações para identificar golpe e como agir

Como funciona o saque-aniversário?

Quem quiser optar pelo saque-aniversário deve fazer a adesão pelo aplicativo do FGTS. O interessado deve clicar “Meu FGTS”, em seguida acessar a aba “Saque-aniversário". É preciso ler e concordar com os termos e condições e clicar em "Aderir ao saque-aniversário".

Com base no seu atual saldo, o sistema da Caixa Econômica também permite que você faça uma simulação de quanto vai receber.

Pelas regras do sistema, o saque pode ser feito a partir do primeiro dia útil do mês de aniversário e até dois meses após o mês de nascimento do trabalhador. A adesão, que pode ser realizada pelo aplicativo do FGTS, deve ser feita até o último dia do aniversário do titular.

Qual é o valor liberado?

A quantia liberada todos os anos para quem migra para o saque-aniversário depende do saldo somado de suas contas no Fundo de Garantia (para quem tiver mais de uma). Há sete faixas de pagamento.

O saque-aniversário permite o resgate de 50% do fundo (para quem tem até R$ 500 na conta) até 5% (para quem tem acima de R$ 20 mil) mais um adicional fixo (para quem tem a partir de R$ 500). Ou seja, o percentual vai caindo conforme a quantidade de dinheiro depositado na conta aumenta.

De qual conta sairá o dinheiro?

Para quem tiver mais de uma conta vinculada ao FGTS, o saque será feito primeiro nas contas relativas a contratos de trabalho extintos, com início pela que tiver o menor saldo, e só depois as demais contas vinculadas.

Como funciona a antecipação do saque-aniversário?

A antecipação é um tipo de empréstimo. Nessa modalidade, o saque-aniversário funciona como garantia do crédito: é bloqueado da conta do FGTS do trabalhador o valor base de cálculo para se chegar no valor efetivamente emprestado, acrescido de juros e taxas. Na Caixa, é possível antecipar até cinco parcelas do saque-aniversário. Já em outros bancos, são até sete.

O pagamento das parcelas é debitado automaticamente da conta do FGTS, sempre na data precista de pagamento do saque-aniversário de cada ano.

Faça o cadastro

Se ainda não tem o acesso ao aplicativo do FGTS, cadastre-se. Para isso, é só baixar a plataforma na loja de aplicativos do celular. O download é gratuito. Após instalar o app, selecione a opção "Cadastre-se" e preencha todos os dados solicitados: CPF, nome completo, data de nascimento e e-mail. O sistema pedirá uma senha numéria de seis dígitos. Depois de incluir os dados, clique no botão "Não sou um robô". Um e-mail de confirmação será enviado para o e-mail informado. Clique no link para confirmar o cadastro. A partir daí, informe o CPF e a senha para logar no aplicativo. Após o login, o sistema irá fazer algumas perguntas adicionais sobre a sua vida profissional. Após responder essas perguntas , leia e aceite as condições de uso.

Informe-se

Acesse o app do FGTS para confirmar qual a modalidade de retirada está ativada na sua conta. Se o saque-aniversário estiver ativo sem que você o tenha feito, procure uma agência da Caixa Econômica Federal. Em caso de movimentação não reconhecida pelo cliente, é possível realizar pedido de contestação em uma das agências, com CPF e documento de identificação.

Suspeita de fraude?

Segundo a Caixa, em caso de suspeita de fraude na adesão ao saque-aniversário, o trabalhador pode formalizar o pedido de apuração para retornar ao saque-rescisão. O prazo de conclusão da análise é de 15 dias úteis.

Mudança de modalidade?

Em caso de suspeita de fraude na adesão do saque-aniversário, sem que nenhuma retirada indevida tenha ainda sido feita, o trabalhador pode formalizar o pedido de apuração em qualquer agência do banco para retornar ao saque-rescisão e apuração de fraude. O prazo de conclusão da análise é de 15 dias úteis.

Suspeita de saque?

Se algum saque for feito sem o conhecimento do trabalhador, o caso é analisado em até 60 dias. Se a reclamação for considerada procedente, os valores são restituídos à conta de FGTS, e os dados cadastrais são atualizados, além de a opção pelo saque-aniversário ser cancelada

Antecipação de saque?

Se for verificado que há indício de fraude num empréstimo que antecipa o saque-aniversário, o banco cancela a garantia contratada e todas as transferências programadas ano a ano para quitar a dívida. Com isso, libera os valores que apareciam bloqueados na conta de FGTS do trabalhador.

Atenção com mensagens e ligações

A Caixa não liga ou envia e-mail, SMS ou WhatsApp solicitando atualização de dados cadastrais. Se o cliente receber mensagens desse tipo em nome do banco, não deve resposnder. A denúncia pode ser feita enviando uma mensagem para abuse@caixa.gov.br. Em caso de dúvidas, há ainda a Central de Atendimento pelos números 4004-0104 (capitais e regiões metropolitanas) e 0800 104 0104 (para demais regiões).