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Trabalhador afastado por ser do grupo de risco na pandemia pode ou não ser demitido? Entenda

Quem tem mais de 60 anos é considerado do grupo de risco para a Covid-19, o que levanta a seguinte discussão: até que ponto a demissão do trabalhador que se enquadra nessa faixa etária é discriminatória?

Quem tem mais de 60 anos é considerado do grupo de risco para a Covid-19, o que levanta a seguinte discussão: até que ponto a demissão do trabalhador que se enquadra nessa faixa etária é discriminatória?

De acordo com advogados da área trabalhista ouvidos pelo G1, não há uma norma direta e expressa que dê ao trabalhador acima de 60 anos estabilidade no emprego, mesmo que ele esteja enquadrado no grupo de risco durante a pandemia.

No entanto, a demissão de um empregado do grupo de risco pode ser entendida como discriminatória. Nesse caso, a empresa deve ter cuidado redobrado, pois a dispensa desses trabalhadores pode ser passível de reintegração ao emprego e de pagamento de indenização.

Pode demitir no meio da pandemia?

De acordo com Danilo Pieri Pereira, especialista em Direito e Processo do Trabalho e sócio do Baraldi Mélega Advogados, não existe nenhuma proibição legal para a rescisão de contratos de pessoas acima dos 60 anos, mesmo durante a pandemia. E a empresa não precisa alegar o motivo da demissão.

“Nos casos de demissão sem justa causa, como a própria nomenclatura indica, não é necessária a existência de uma causa formal para o desligamento”, explica.

Como provar a discriminação?

Para Eduardo Pragmácio Filho, doutor em direito do trabalho, a dispensa de trabalhadores acima de 60 anos porque estão no grupo de risco ou estão afastados por serem desse grupo é delicado e controverso, que pode gerar discussão no âmbito da Justiça.

“As empresas devem ter total cautela nesse sentido. Ao dispensar um trabalhador simplesmente por ele ser grupo de risco, pode haver alegação de que foi uma dispensa discriminatória”, alerta.

Pereira considera que a rescisão sem justa causa, por si só, não pode ser entendida como ato discriminatório, já que se trata de um exercício regular de direito do empregador.

Para que seja entendida como discriminação, cabe ao trabalhador reunir elementos e demonstrar, na Justiça do Trabalho, que a demissão teve como causa o fato de ter mais de 60 anos e estar dentro do grupo de risco, mas essa conclusão não é automática, depende de prova.

“O empregado que se sentir lesado deve comprovar, dentro das circunstâncias em que houve o desligamento, que foi com propósitos nitidamente discriminatórios”, diz Pereira.

Segundo ele, cabe ao empregado ajuizar ação para comprovar que o empregador agiu com intenção discriminatória e extrapolou o direito de rescisão sem justa causa, com a intenção de prejudicar o trabalhador.

De acordo com Pragmácio Filho, no processo pode ser requerida a reintegração no emprego, com pagamento dos dias afastados e indenização por danos morais e dos dias afastados em dobro.

“Se a empresa dispensar simplesmente porque o trabalhador é do grupo de risco há um argumento fortíssimo que é uma dispensa discriminatória, porque por ser grupo de risco pode atrapalhar os planos da empresa”, diz.

“A empresa, por outro lado, detém uma certa responsabilidade social e não pode simplesmente despedir o trabalhador por ele ser grupo de risco. Vai ter que encontrar outras alternativas como colocá-lo em teletrabalho ou cumprir todos os protocolos sanitários. O simples fato de a pessoa ter mais de 60 anos não a impede de trabalhar, inclusive em situação de risco, mas ela também tem que cumprir todos os protocolos de segurança”, diz.

Segundo Pragmácio Filho, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) vem entendendo, por meio da súmula 443, que quando há uma dispensa discriminatória por doença grave, que causa estigma ou preconceito, o trabalhador pode ter direito à reintegração.

Para Ricardo Pereira de Freitas Guimarães, doutor em direito do trabalho e professor da pós-graduação da PUC-SP, a súmula do TST consolida a discriminação na hipótese de doenças chamadas de estigmatizantes.

“Do contrário, caberia ao empregado comprovar que algum fator discriminatório levou a empresa a realizar a dispensa. Em regra, não há uma idade fixada como objeto de impedimento de dispensa sem justa causa. Mas, caso exista comprovação que a dispensa ocorreu pelo fator idade, há a possibilidade de indenização pelo ato discriminatório. Mas a reintegração é possível apenas em poucas hipóteses legais, como deixar o empregado sem acesso hospitalar ou sem INSS”, diz Guimarães.

Quando há estabilidade?

Eduardo Pragmácio Filho afirma que não há uma norma expressa que dê ao trabalhador acima de 60 anos estabilidade no emprego.

“A exceção fica por conta de normas coletivas que preveem estabilidade no caso de os trabalhadores estarem na pré-aposentadoria, por exemplo” diz.

Pereira explica que demissão sem justa causa não é permitida nos casos em que a estabilidade esteja prevista em lei, como o período de um ano após o acidente de trabalho, eleição como dirigente sindical ou membro da Cipa ou na hipótese de ser portador de doença grave ou que cause estigma, consolidada na jurisprudência do TST.

“De todo modo, são as mesmas situações de estabilidade cabíveis às demais faixas etárias. No caso de quem tem mais de 60 anos, a lei não traz uma proteção especial contra a demissão, e cada caso precisa ser avaliado pelo Judiciário para que se constate ou não que a demissão foi desencadeada por um ato discriminatório e não pelo exercício regular de um direito de demissão sem justa causa, por parte do empregador, garantido pela CLT”, observa.

Home office é solução?

Atualmente, não há norma legal que obrigue a empresa a manter o funcionário, em especial os do grupo de risco, em regime de trabalho remoto durante a pandemia.

E a recusa do empregado a voltar a trabalhar de forma presencial, principalmente daqueles do chamado grupo de risco, deve ser bem justificada, com parâmetros médicos.

“O que se põe em debate é: a empresa vai sustentar esses trabalhadores, colocá-los em teletrabalho por eles estarem no grupo de risco de contaminação pela Covid-19?”, questiona Pragmácio Filho.